DEPRESSÃO: SINTO-MA(L) DO SÉCULO
- Claudia Leone
- 21 de jan. de 2020
- 5 min de leitura
Este texto objetiva falar sobre depressão e o quais as contribuições que a psicanálise pode dar ao tema que hoje tem sido altamente divulgado, uma vez que os índices do diagnóstico desse mal só aumentam . Segundo a Organizaçao Mundial de Saúde a depressão afeta 322 milhões de pessoas no mundo, de 2005 a 2015, esse número cresceu 18,4%, sendo considerada a segunda maior preocupação em termos de saúde pública no planeta (fonte: https://www.atribuna.com.br/2.713/brasil-tem-o-maior-n%C3%BAmero-de-casos-de-depress%C3%A3o-da-am%C3%A9rica-latina-1.42717).
Mas fiz uma breve introdução, estou aqui hoje para falar de “Depressão”. O que os psicanalistas têm a dizer sobre “a depressão” que é classificado pelo Código Internacional de Doenças (CID) por F32 e F33. O F32 recebe o nome de “episódios depressivos” e o F33 de “transtorno depressivo recorrente”. O significado da palavra episódio quer dizer incidente acessório, não essencial. Já a palavra transtorno quer dizer perturbação, alteração e mudança. Não é à toa a diferença feita entre o 32 e o 33, o peso dado ao transtorno nos demonstra que é algo mais intenso, duradouro, que altera e modifica. Já no episódio, apesar de também haver o aumento da tonalidade dos sintomas (leve, moderado e grave/com ou sem sintomas psicóticos), há uma indicação de algo que não permanece, que não perpetua e que possa ser passageiro.
Quero pontuar aqui que estamos falando de intensidade, de tonalidades. Freud em seu texto “Luto e Melancolia” de 1915 faz toda uma diferenciação entre essa “tonalidades”. Freud descreve três tempos, dos quais dois são comuns ao luto e à melancolia. No primeiro tempo, há uma escolha de objeto. O sujeito precisa estar ligado amorosamente a alguém ou a um ideal abstrato. No segundo tempo há um prejuízo, uma decepção ou perda radical do objeto. Essa relação é abalada e algo se desencadeia. Até aqui os tempos são iguais, tanto no luto quanto na melancolia.
É no terceiro tempo que acontece a diferença. No enlutado, o trabalho de luto fará com que o sujeito retire o investimento libidinal do objeto perdido e reinvista em outro objeto, ou seja, construa um outro ideal do eu, seja um ideal abstrato ou um objeto de amor. No caso da melancolia este circuito não funciona, pois o melancólico não reinveste em nenhum outro objeto externo, mas retorna a uma fase narcísica, investindo nele próprio, não partindo mais em direção ao outro.
O melancólico não tem auto-estima, ele não tem vergonha de dizer as maiores injúrias sobre si mesmo. Ele se xinga, se auto-acusa com grande descaramento. É a isto que Freud está querendo dizer com narcisismo no melancólico, ou seja, que ele investe no seu ser, porém de forma depreciativa; ele tem baixa auto-estima, auto-recriminção, autocrítica, autodepreciação, auto-avaliação, autotormento, autopunição e auto-assassinato (suicídio). O sujeito melancólico é ao mesmo tempo o assassino e o objeto assassinado. O melancólico se acusa de ser o responsável pela ruína, pelas perdas, pela miséria de seus familiares e até mesmo do mundo. Essa auto-acusação pode ir das ideias mais simples a toda uma formação delirante. Com isso ele não só se tortura, como tortura todo mundo à sua volta. Sua fala monocórdica possui tal peso e é acentuado por seu monotematismo, que geralmente contra alguém ou contra algo. É um desamparo muito intenso, uma desolação, um desarvoramento, mas que não aparece a angústia, como no caso do enlutado, que possui a angústia da perda. O enlutado ao perder a pessoa que ama, que se encontra num lugar de representação fundamental, se sente abandonado e se angustia.
Portanto, o que estamos mostrando é que a melancolia é mais intensa, mais grave que o luto. A psicanálise coloca a melancolia na posição de estrutura psicótica, ou seja, o que permite que uma construção se sustente e se mantenha sólida. A partir da perda do objeto amado o sujeito se vê diante da castração (uma privação) que no caso do melancólico produzirá uma abulia e a perda do desejo. Já no caso do enlutado a estrutura neurótica promove o aparecimento da angústia de castração, que dará sentido da perda. Ou seja, como conseqüência da perda do ideal, o sujeito se depara com a castração, uma falta é desvelada surgindo o sentimento de desamparo, abandono e até mesmo ódio. O sujeito se depara com essa falta até que ele possa voltar a colocar outra pessoa nesse lugar vazio e continuara a sua vida.
Freud em 1926 no texto “Inibição, sintoma e angústia” fala sobre os estados depressivos, sendo a melancolia o seu pior tom. A depressão é, pois, um AFETO que aparece no momento em que o eu evita a determinação inconsciente. A ferida narcísica que implica uma queda na sustentação do sujeito só ocorre após o desmoronamento do ideal do eu – I(A) – a partir da desidealização do Outro. Hoje não é difícil verificar essas quedas, a cada dia a consistência do Outro sofre novos abalos, diante de uma sociedade caótica e cada vez mais oprimida pela escravidão promovida pelo avanço imperialista do capitalismo.
Há uma nova ordem social, imposta com mãos de ferro, mas que não é percebido pela maioria das pessoas. O imperativo da felicidade, qualquer fraqueza em relação a essa obrigação moral será chamada a partir de agora de depressão e será imposta o combate feroz contra esse “estado”. Primeiramente a medicalização entra como o componente principal, posteriormente a psicologização como tentativas de alterações comportamentais para dar conta da exclusão rápida e eficaz desse sintoma, sinto-mal. A regra agora é não sofrer moralmente, ou seja, utilizar qualquer artifício para não lidar com os infortúnios que a vida nos impõe. A imagem que reina senhora é a do bem-estar, e toda tristeza é vergonhosa, injustificada e principalmente patológica. Ficar triste é uma anormalidade, uma falta moral.
Estamos falando até agora da depressão como a tonalidade que vai do luto à melancolia, mostrando a gravidade desta. Mas não descartando o sofrimento psíquico que a perda pode ocasionar no neurótico. Porém, o que estamos tentando demonstrar é que no caso do luto há a necessidade de um período de tristeza e sofrimento para o ego consiga refazer-se.
No caso da melancolia, essa depressão mais profunda, que é estrutura, a análise vai percorrer outro caminho, porém não menos fundamental, pois também há a necessidade de novos encadeamentos psíquicos, mas que serão caminhos construídos com possibilidade de criação de bengalas imaginárias que darão sustentação ao psiquismo, possibilitando que a vida se refaça.
Assim, concluindo que a busca por um profissional capacitado para identificar os sintomas e elaborar um bom diagnóstico é fundamental para que o tratamento seja eficaz. Medicar (que é feito por um Psiquiatra) nem sempre é a saída, pois na fase de luto, a elaboração simbólica da tristeza (a terapia e/ou análise é realizada por um Psicólogo e/ou Psicanalista) é fundamental para que o gosto pela vida se restabeleça. Se for um caso de melancolia, apenas a análise pode não ser eficaz, sendo necessário o suporte da medicação para dar um start no tratamento analítico.
Mas fica uma dica que os tratamentos casados ou interdisciplinares são mais eficazes e por isso avaliação de um bom profissional é fundamental!

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